quarta-feira, 22 de agosto de 2012

OS SEBOS - Carlos Drummond de Andrade




Os sebos foram se acabando, cedendo lugar a lojas sofisticadas, onde o livro é exposto como artigo de moda, e há volumes mais chamativos do que as mais doidas gravatas, antes objetos de decoração de interior, do que de leitura.

O bom sebo é agradavelmente desarrumado, como convém ao gênero de comércio, para deixar o freguês á vontade. 
Os fregueses, mesmo não se dando a conhecer uns aos outros, são todos conhecidos como freqüentadores crônicos de sebo. 
Caras peculiares. Em geral usam roupas escuras, de certo uso (como os livros), falam baixo, andam devagar.

Formam uma confraria silenciosa, que procura sempre e infatigavelmente uma pérola ou um diamante setecentista, sabendo que não encontrará nunca entre aqueles restos de literatura, mas qualquer encontro a satisfaz. Procurar mesmo não achando é ótimo.

O sebo é a verdadeira democracia, para não dizer: uma igreja de todos os santos, inclusive os demônios, confraternizados e humildes. Saio deles com um pacote de novidades velhas, e a sensação de que visitei não um cemitério de papel, mas o território livre do espírito, contra o qual não prevalecera nenhuma forma de opressão.”







Nenhum comentário:

Postar um comentário